Brutalidade Jardim

Blog de literatura, prosas urbanas, poéticas visuais e literatices

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Location: João Monlevade / Brasília, Minas / Distrito Federal, Brazil

Nascido em João Monlevade, no Vale do Aço, Minas Gerais / Brasil. É jornalista. Reside em Brasília/DF desde 2007. Poeta independente abandonou a literatura impressa para mergulhar no abismo virtual. Tem trabalhos literários premiados no Brasil e muitos outros publicados em vários países, especialmente de arte postal. Seguir o meu twitter @ geraldomagela59 Born in João Monlevade, in the Steel Valley, Minas Gerais / Brazil. He is a journalist, living in Brasília / DF since 2007. Independent poet abandoned printed literature to immerse himself in the virtual abyss. It has literary works in Brazil and many others published in several countries, especially in publications of postall art.

Thursday, November 30, 2006

Trópicos

Carlos Drumond da Costa, o Drumond, nome de poeta, vida de gangster pé de chinelo, doente de ciúmes de Grace Kelly Pereira, deliciosa mulata da Escola de Samba Unidos do Já Vem, descarregou a sua pistola automática importada no corpo musculoso de Manuel Bandeira Pereira, o Bandeira, nome de poeta, vida de traficante.
Como dizem os turistas americanos, o povo dos trópicos tem o sangue muito quente.
Drumond, na realidade, tinha o sangue muito frio.



( Miniconto assinado por Baltimore Batista, cuja idéia original foi roubada de Antônio Scliar )

Monday, November 27, 2006

Sunday, November 26, 2006

inventário solar

Inconfidências eletrônicas

joaquim silvério dos reis brincando
no computador de tiradentes:


DELATO (...) DELETO
DELETO (.. ) DELATO
DELATO ( . ) DELETO
DELETO ( ) DELATO
DELATO ( DELETO
@ DELATO


Geraldo Magela / 2005

Friday, November 24, 2006

Caça ao tesouro

( A cidade continuava desmemoriada )

Até aí nada demais. Assim eram todas a cidades de igual tamanho.
Mas o pesquisador H. W. Silveira, incansável descobridor de tesouros inúteis, resolveu penetrar no interior da cidade, chefiando uma pequena expedição científica.
Como de costume, não encontraram grande coisa. Algumas ossadas centenárias de escravos e uma múmia, identificada como a do suposto pioneiro que, segundo registros precários, fundara a cidade.
Os “tesouros” encontrados foram entregues às autoridades que os colocaram junto a uma forja catalã e um punhado de ferro retorcido, expostos à visitação pública.
H.W. Silveira morreria esquecido, segurando nas mãos o diploma de cidadão honorário que recebera da Câmara Municipal. O seu nome foi citado também no poema épico de Clementes Mendes.
Mas a cidade continuava, absurdamente, sem uma história confiável.

Thursday, November 23, 2006

Depoimento

“Certa vez, uma amiga me perguntou sobre o porque de todos os personagens das minhas obras serem do sexo masculino. Não soube responder, pois confesso que jamais ter pensado nisto. A partir de então comecei a refletir. Seria algum tipo de preconceito implícito?
Comecei a pensar, ininterruptamente, em criar um personagem do sexo feminino. Não precisava ser exatamente uma mulher, no sentido mais radical. Poderia ser uma cadela, uma máquina, um andróide ou uma boneca eletrônica. Nada, não conseguia criar nenhum personagem feminino ou efeminado.
Depois de meses consegui pensar em um protótipo inconsistente com o nome de Helga Coolgate, cantora lírica que sobrevivia cantando jazz em New Orleans no início do século.Achei melhor, para o bem da dita cuja, destruir a idéia antes que ela se consolidasse em algum conto ou novela, sei lá.
O estranho é que no dia seguinte, em frente à minha velha Remington, espólio do meu avô, me veio de estalo mais um personagem macho:
Horacius H., pensador insignificante... ( ... )
Mais um pênis na minha literatura de terceira, pensei eu, conformada.”

( Depoimento de Wanda Wasíllis, escritora polêmica e premiada )

Wednesday, November 22, 2006

Inédito

Trecho do livro inédito “O Extrato do Cotidiano”, de Beraldo Bezerra, escritor beat sem nunca ter sido:
( ... ) Pernas femininas. Diversas. Me rodeiam. Passo o cartão magnético do lado errado de novo. Não aprendo nunca. Refaço a operação. A minha cabeça de vento está sempre no mundo torneado das pernas femininas. Digito a senha. Não perco de vista as pernas. Sou um discreto observador de pernas. Talvez alguém mais já tenha registrado o fato de que a maioria das mulheres consideradas “feias” possuem pernas interessantes. Corto o papel do extrato, enquanto as minhas mãos percorrem pernas inatingíveis. Saio do banco para cair novamente no mundo das pernas ( ... )

Tuesday, November 21, 2006

Poder paralelo

Because Forever, habitante dos morros íngremes, vinte e seis anos de pura prosa, era suspeito de tráfico ilegal de trechos de livros.
Tal atividade criminosa consistia no seguinte: escritores de laboratório fabricavam, clandestinamente, fragmentos, trechos e até páginas inteiras de material literário, repassando a muamba para os traficantes venderem no mercado editorial. A rede do tráfico era formada por profissionais da ficção desempregados e até por autores respeitáveis, além de ex-escritores.
O material era vendido a editores de péssima reputação e escritores de best-sellers, inclusive esotéricos de qualidade duvidosa. Segundo a imprensa marrom, até mesmo alguns intelectuais conceituados faziam uso da mercadoria de primeira qualidade fornecida por Because e sua gang.
O comércio ilegal de trechos de livros ia bem, com a devida propina paga às autoridades livreiras, até o dia em que os personagens de um romance regionalista morreram de overdose, provocada pelo excesso de detalhes contidos em mais de cem páginas sobre o drama meloso de um jovem rico com uma prostituta francesa.

Monday, November 20, 2006

Filosofia

Horacius H., pensador insignificante passava os dias enfiado na Biblioteca Pública à procura de alguma filosofia ainda não deflorada pela sua gula incurável.
Platão, Aristóteles, Sartre, Kant, Shopenhauer, Hegel, Rousseau, Kierkegaard, Marx, Benjamin, Engels, todos lhe interessavam. Para não falar dos contemporâneos. Entre eles, um lhe atraia mais: Rhussardo Ruivo, o ideólogo do suicídio santificador.
Envolto numa atmosfera de solidão e silêncio, entre muralhas de livros, Horacius H. devorava o pensamento escrito de R. Ruivo. Não cessava de refletir sobre a teoria defendida pelo mestre de que “o autosacrifício nos leva à santidade absoluta”.
“A morte, devidamente provocada, purifica a nossa alma e nos conduz à vida eterna”, ensinava o filósofo suicida.

Friday, November 17, 2006

Vazio

“a memória é tudo o que nos resta,
mínima luz, fio de neblina pela fresta.
a memória é tudo o que nos resta,
mínima luz, fio de neblina pela fresta.
a memória é tudo o que nos resta,
mínima luz, fio de neblina pela fresta.
a memória é tudo o que nos resta,
mínima luz, fio de neblina pela fresta.
a memória é tudo o que nos resta,
mínima luz, fio de neblina pela fresta.
a memória é tudo o que nos resta,
mínima luz, fio de neblina pela fresta.
a memória é tudo o que nos resta,
mínima luz, fio de neblina pela fresta...”



(Peça integrante do inquérito que apura a falta de produtividade poética de Mandrake Zake, poeta moderno ou pós-algo)

Thursday, November 16, 2006

Intestinos

Magrelo Mouse, grafiteiro e desenhista de HQ, rato das bienais nacionais e internacionais, roedor solitário de obras e instalações contemporâneas, havia devorado alguns artigos assinados pelo crítico de arte Pereira Gullag, onde o ex-guerrilheiro das vanguardas arrasava a chamada arte experimental. “A vanguarda das vanguardas não existe”, sentenciava o crítico nos seus textos.
O estômago de M. Mouse, acostumado aos mais ecléticos restos mortais da última bienal internacional, parecia ter aceitado bem as argumentações de Gullag, mas os intestinos nem tanto. Magrelo acabou borrifando com merda estética todo o decente sanitário da Fundação. O produto acabou se tornando objeto da pesquisa sórdida realizada por Dorico Vilibaldo na criteriosa composição do seu livro “Fezes”. E o banheiro se transformou em mais uma instalação inusitada de arte experimental.
Pura ironia do destino. Ou dos intestinos.

Tuesday, November 14, 2006

Pirataria

Baltimore Batista, pirata das letras, confessou na Comissão Literária de Inquérito da Associação Brasileira de Escritores Desconhecidos que o personagem Florêncio Bueñaventura fora roubado de um livro de estórias extraordinárias do século XVIII, de autoria anônima.
Era o típico produto para a ação de um pirata da qualidade de Baltimore, famoso pelas suas incursões secretas no Arquivo Público e nas bibliotecas públicas, sempre à caça de algum tesouro desprotegido. Ele roubava personagens e os transformava em outros com características parecidas, dando uma nova condução ao enredo, cuja idéia "original" também era produto de furto.
A comissão considerou Baltimore culpado do crime de pirataria premeditada, mas como o livro era de autor desconhecido, e não havendo nenhuma queixa registrada, ele acabou sendo liberado. O personagem Florêncio Bueñaventura foi apreendido e cassado pela CLI, enquanto o vilão saía da audiência com um novo plágio na cabeça: reescrever o seu próprio depoimento, agora na condição de vítima de um escritor pirata do século XVIII...

Monday, November 13, 2006

Gêneros

Wanda Wasíllis, escritora polêmica publicou um livro estranho. Estranho no que dizia respeito ao gênero literário que deveria pertencer a obra. Conto, novela ou romance?
Poesia, não era de jeito nenhum, pelo menos na opinião radical de Mandrake Zake. Para o ex-contista Antônio Scliar, a estória era uma novela e ponto final. Já o novelista Sérgio Simulacros considerou o trabalho um romance moderno, “apesar de ter certas afinidades estruturais com o conto”, frizou. Mas o romancista Machado Callado também possuia opinião divergente. Para ele, não havia dúvidas de que Wanda Wasíllis escrevera um conto. “Um pouco longo demais, mas não deixa de ser um legítimo conto”, dissertou o velho mestre.
Dos cinquenta escritores convidados para analisar o caso, dezessete disseram que se tratava de conto; outros dezessete afirmaram ser uma novela e dezesseis taxaram a obra de romance. A discussão chegou às páginas dos suplementos literários e foi objeto de teses e ensaios enormes e pedantes, mas até hoje ninguém conseguiu chegar a uma conclusão definitiva.
Se é que isso realmente interessa aos leitores.

Friday, November 10, 2006

O silêncio

Procópio P, repórter/personagem sempre nutriu grande fascínio pelos desertos. Em 1984 empreendeu uma longa viagem pelos desertos da África e escreveu uma reportagem a respeito, sob o agradável formato de uma crônica, da qual capturamos este pequeno trecho:

“... e o dia estava quente. Quente demais. No horizonte, o deserto traiçoeiro e um ponto escuro, distante. Com o passar das horas, o ponto se transformou em traço verticalizado, sem foco. Miragem? Um beduíno perdido? O dia claro. Claro demais para as minhas retinas sensíveis. Não se via mais o traço desfocado e dançante. Somente o horizonte branco. E o silêncio. Silêncio... Silêncio... Silêncio... Restava-me somente a certeza de que aquela cena se repetiria no dia seguinte. No deserto, as coisas sempre se repetem, inclusive o silêncio...”

Thursday, November 09, 2006

O bufão

Florêncio Bueñaventura, O Camaleão, apelido carinhoso dado pelos habitantes do lado escuro da metrópole, possuía o dom natural da metamorfose, podendo se transformar em mais de uma centena de tipos e personalidades diferentes.
Levava uma vida divertida e, paralelamente, divertia uma platéia de párias com a sua “mágica”. Ora era Hamlet, Dom Quixote, Madame Bovary, Romeu e Julieta, Peri, etc. Para as crianças adorava ser Teleco, O Coelhinho e, encerrando o espetáculo, virava Getúlio Vargas suicidando-se, deixando comovidos os espectadores mais idosos.
Apesar do tom lúdico da sua metamorfose, uma certa crise existencial rondava Florêncio, pois ele tinha dúvidas a respeito da sua própria identidade e tampouco se lembrava do seu caráter. Amargurou-se com o passar do tempo, mas continuava a divertir o povo.
Tragicamente, ao final de um espetáculo de Natal, O Camaleão, encarnando Getúlio, detonou um tiro de verdade no peito e pôs um fim à sua agonia. A platéia, tomada pela comoção já peculiar, aplaudiu de pé o “realismo” da cena.
Florêncio Bueñaventura, morto, parecia ser apenas mais uma das suas próprias facetas.

Tuesday, November 07, 2006

Escatologia

Dorico Vilibaldo, pesquisador de estilos, foi excluído do quadro de honra da Academia de Letras e Artes depois que escreveu e publicou um livro escatológico.
O trabalho, intitulado “Fezes” (Edição do Autor,2004), continha os resultados de vinte anos de pesquisas realizadas nos mais variados sanitários do país. Além de trazer narrativas fidelíssimas a respeito do tamanho, cor e odor das protagonistas ( leia-se fezes ), o livro exagerava nas minúcias, beirando ao mau gosto de relatar manchinhas de merda no fundo de vasos turcos.
Dorico expulso da A.L.A e com mais de mil exemplares do livro encalhados, amaldiçoou seus colegas de fardão, mandando-lhes à merda.
Literalmente.

Monday, November 06, 2006

Inutilidade

Clementes Mendes, poeta parnaso, talvez até simbolista, foi o único que teve coragem suficiente para escrever um épico sobre a cidade, narrando as glórias e decadências do lugar. Versos pomposos e estrofes gigantescas marcavam a obra bem construída.
Poetas como Clementes adoram perder tempo com textossauros que ninguém terá paciência para ler. Em todo caso, o poema foi muito bem recebido pelos críticos que dão plantão na cultura local, que ficaram admirados com a “beleza lírica, a estrutura, a densidade dramática da obra”.
Mas como beleza lírica, estrutura e densidade dramática não enchem a barriga de ninguém, a cidade não ligou bulhufas para o textossauro de C. Mendes. O episódio só serviu para confirmar a maldita tese defendida pelos nossos avós:
“Literatura não leva ninguém a nada!”

Wednesday, November 01, 2006

Crime passional

“Manoel Bandeira Pereira, o Bandeira, nome de poeta, vida de bandido, morto de ciúmes de Gracy Jones Silva, uma deliciosa passista da Escola de Samba Unidos do Bicho Pegou, esvaziou a sua submetralhadora de uso exclusivo das Forças Armadas no corpo franzino de Roberto Carlos Silva, nome de cantor, vida de cachorro.
Como dizem os turistas europeus, o povo dos trópicos tem o sangue muito quente.
Manoel Bandeira, ao contrário, tinha o sangue bastante frio.

( ... )


( Miniconto de Antônio Scliar )