Brutalidade Jardim

Blog de literatura, prosas urbanas, poéticas visuais e literatices

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Location: João Monlevade / Brasília, Minas / Distrito Federal, Brazil

Nascido em João Monlevade, no Vale do Aço, Minas Gerais / Brasil. É jornalista. Reside em Brasília/DF desde 2007. Poeta independente abandonou a literatura impressa para mergulhar no abismo virtual. Tem trabalhos literários premiados no Brasil e muitos outros publicados em vários países, especialmente de arte postal. Seguir o meu twitter @ geraldomagela59 Born in João Monlevade, in the Steel Valley, Minas Gerais / Brazil. He is a journalist, living in Brasília / DF since 2007. Independent poet abandoned printed literature to immerse himself in the virtual abyss. It has literary works in Brazil and many others published in several countries, especially in publications of postall art.

Monday, July 24, 2006

10 Poemas Anoréxicos

1º Lugar no Prêmio Nacional Carlos Drumond de Andrade de Poesia
2002 - Cidade de Ipatinga/MG


Geraldo Magela



Minúcias


lobos bebem
sangue quente
de cordeiro

as fábulas
nada dizem
sobre o paladar

dos devoradores.


Poemarinho


densos cardumes
mar abstrato

polvo hostil
idioma tentacular

água lâmina
peixe espada

enguias lânguidas
tubarões dissimulados

oceano
grafia.


Literatura


prosa experimental
tradução de revólveres
revolvendo linguagens
fogo do inferno
epístolas, animais urbanos

a fala névoa

o poema nódoa
arranjo de fúrias
tribos urbanas
bachianas.
cidade espessa
escura
verbalizações armadas.


Alerta aos incautos


a cidade sobrevive
da sua própria
desconstrução

erguendo altares
sobre a geografia
movediça.

escribas pós - tudo
fazem a releitura
do texto urbano

na dissecação crua
das sílabas / períodos
néon & sons

absolutos.

cotidianos rebuscados
traços. rascunhos.
verbos. enigmas.

a cidade se lê
à margem
do seu texto

original.

( Prêmio Especial do Júri de Melhor Poema – Ipatinga – 2002 )

Mercado aberto

a barcaça do inferno
faz escala
no paraíso

santos & demônios
apaziguados
trocam mercadorias

drogas chiques
escravas brancas
microchips.


Feira do futuro


esfinges modernas
lançam enigmas
em compact disc

édipos perplexos
digitando códigos
infrutíferos

são atirados
nos precipícios
da realidade virtual.


Referência para leitura


vaqueiros
no pasto
seguem o mapa
dos excrementos
no infinito amarelo

boitempo.


Limite


a literatura
não basta

ereções
dolorosas

masturbação
escrita

a literatura
não é tudo

o seu púbis
por exemplo


é xilogravura.


Final dos tempos


eram seis da tarde
quando o sino tocou
e um sabiá longe
repetiu
piedade senhor
chamando em vão
uma chuva
ácida.


Restos


levo
para o túmulo

o cúmulo
de um cadáver

figuras de linguagem
ironias
&
algumas arrobas
de lirismo.

Friday, July 21, 2006

O parceiro

Geraldo Magela


Teve um dia em que eu me peguei conversando com o revólver.
- Você vai me ajudar num lance aí, eu disse.
A arma ficou me olhando, segura na minha mão, silenciosa, brilhando de tão negra.
Eu continuei.
- Preciso de você para arrecadar uma grana que está me fazendo falta.
E a arma continuava calada. Quem cala consente, né?
Peguei o revólver e fui direto fazer um trabalhinho. Quando voltei, lá pelas tantas da madrugada, tinha um bom dinheiro no bolso. Tirei a arma de dentro da calça larga.
- Aquele velho não devia ter reagido. Era só me passar o dinheiro e mais nada.
E o revólver quieto.
- Foi dar uma de herói, se fudeu...
Fui dormir. Acordei lá pelo meio dia e saí, com o revólver escondido dentro da calça. Quando cheguei no meio de uma ponte deserta joguei a arma no rio poluído, depois de limpar o cabo com a camisa, cuidadosamente.
- Os ácidos vão se encarregar do seu fim, eu pensei.
Os parceiros mais calados são os piores. Podem nos entregar a qualquer momento.

Thursday, July 20, 2006

Banho

o sol
ponto
vermelho
na sua
sensualidade

o sol
entre suas
pernas
brancas
mar vermelho

Geraldo Magela

Salivações

língua
letra
paladar
produto
lânguida
sílaba
em
negrito.


Geraldo Magela

Wednesday, July 19, 2006

Remorso e perdão

- “Deus que me perdoe, mas vou ter que matar este sujeito”.
O cara é religioso. Usa o nome de Deus toda hora em que faz um serviço sujo.
Coisa estranha essa de misturar morte com pedido antecipado de perdão.
Só ouvi um disparo seco. Certeiro. Na nuca, como ele gosta de executar suas vítimas. Sem sofrimento para ambas as partes.
Ele se afasta do corpo caído na margem da estrada deserta.
Gosta de matar ao ar livre, já me disse.
Está calado. Parece fazer uma oração silenciosa.
Coisa estranha essa de pistoleiro rezar. Mas eu é que não me meto, cada um sabe de si. Trabalhamos em dupla, matadores de aluguel, mas eu mesmo nunca matei ninguém. Só dou apoio moral, idéia dele, devido ao fato de eu ser um ex-seminarista.
Daqui algumas horas ele vai sentir remorsos. Quer ver? É aí que eu entro, dizendo algumas palavras de consolo e os salmos apropriados.
Depois eu o perdôo, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, Amém!
Apesar de não ser um assassino como ele, confesso que gosto de ver um sujeito ser morto. Assim, a queima roupa.
Sem nenhum remorso.

Tuesday, July 18, 2006

Mágoa

Mágoa.
É só isso o que você sente?
É.
Nossa, eu praticamente acabei com a sua vida e você apenas sente uma coisa assim, tão boba, mágoa...
O que mais eu deveria sentir?
Sei lá, rancor, ódio, sentimentos até normais no seu caso.
Ah, mágoa é um negócio tão doloroso quanto o ódio. Quando você sente mágoa, a coisa parece eterna, sabe. Parece que não vai nos deixar nunca e isso acaba afetando a pessoa que nos magoou, entende?
Estranho, é assim mesmo, tão profundo?
Claro. Você fala como se nunca tivesse sentido mágoa de nada, de ninguém...
Realmente, eu nunca senti mágoa de nada.
Esquisito, é a primeira pessoa que eu conheço que nunca sentiu nenhum tipo de mágoa na vida.
Mas você disse que esse tipo de sentimento acaba afetando a pessoa que o provocou. Por que eu não sinto nada disso?
Simplesmente porque ainda não chegou a hora certa.
E quando será a minha hora?
Não se preocupe, você vai saber quando chegar a hora.
Você está muito estranha mesmo. Tchau!
Adeus, desgraçado!

Monday, July 17, 2006

Féretro

Detesto ler anúncio de falecimento. Eu estava solitário no estúdio da emissora numa tarde de domingo, fazendo o programa de rádio mais tedioso da minha vida e havia acabado de tocar uma porcaria internacional. Coloquei no ar os comerciais. Foi quando ela apareceu. Estava de preto e tinha um lenço branco nas mãos. Era uma morena elegante, alta. Usava um vestido meio justo. Não reparei muito no seu rosto, a não ser nas olheiras, mas o corpo até que era bem interessante. Meio sensual, para uma espécie de viúva ainda fresca. Ela me entregou um papel amassado e balbuciou, chorosa:
Por favor, eu quero divulgar esta nota de falecimento.
Olhei para o manuscrito:
“A família de Hederaldo Gabriel Santos comunica o seu falecimento ocorrido na manhã de hoje e convida para o seu sepultamento às 17 horas, saindo o féretro da rua...”
Detesto a palavra féretro, eu disse, interrompendo, sem olhar para a possível viúva.
Eu também, mas é praxe, ela respondeu.
Praxe? Pô, até que ela tem uma linguagem legal, pensei.
Continuei a ler o resto do texto:
“Comunicamos o falecimento de Hederaldo Gabriel dos Santos, conhecido como Aldo Garanhão...”
Garanhão?
Ele era mais conhecido pelo apelido, disse ela, contendo um riso curto.
O tom da sua voz era um tanto malicioso para uma viúva nova.
Era seu marido?
Mais ou menos, respondeu, novamente com a voz maliciosa.
Tudo bem, eu vou fazer a leitura da primeira chamada agora mesmo.
Eu posso ficar aqui dentro, ouvindo?
Claro, não tem problema.
Na hora certa comecei a ler o texto com voz comedida e séria como convém em anúncios de falecimento. Apenas diminui o tom na palavra féretro que, particularmente, eu detesto. Ela choramingou, baixinho, durante a leitura.
Acabei de ler a mensagem e coloquei um samba do Zeca Pagodinho. Ela saiu do estúdio, enxugando lágrimas quase invisíveis, depois de despedir-se educadamente.
O senhor poderia ler mais uma cinco vezes hoje? Amanhã eu acerto o valor na secretaria da rádio.
Tive a impressão de que ela saiu rebolando a sua bela bunda, como se estivesse acompanhando, discretamente, o ritmo delicioso do samba. O tédio de um domingo faz a gente imaginar coisas.
Cinco vezes?
Pô, féretro é uma palavra desgraçada.

Friday, July 14, 2006

Gente boa

Ele surgiu do nada, na escuridão da rua deserta. Ágil feito um fantasma foi logo mostrando a lâmina.
Passa logo a grana!
Estou liso, não tenho dinheiro nem para a condução.
Puta que pariu, a vida tá ruim assim, irmãozinho?
Estou desempregado já faz um ano, meu.
Aqui, toma uns trocados e vê se te cuida, heim!
Valeu, você é gente fina, fico te devendo esta.
Fica nada. É bom a gente fazer uma caridade de vez em quando.
Legal, qual é o seu nome, amizade?
Pode me chamar de Robin. Tchau!
Tchau, Robin!
Do mesmo jeito que surgiu na minha frente, ele desapareceu na escuridão.Só deu para ver o brilho da sua lâmina.
Robin... eu fiquei pensando. Taí, bom nome para um ladrão.

Thursday, July 13, 2006

Sentimento é uma coisa inexplicável

Geraldo Magela

Já matou padre?
Acho que não.
Poderia matar?
Se tiver contrato, a gente mata.
O serviço sai mais caro?
Nada. O preço é o mesmo.
Pensei que fosse mais caro.
Por que?
Pensei que dependesse da situação.
Que tipo de situação?
Sei lá, algo que envolvesse um religioso fosse complicado.
No meu caso, não.
Como assim?
Não me interessa profissão, sexo, religião, status, nada.
Homem, mulher, criança, qualquer coisa?
Se for gente, morre.
Gente?
É, só mato gente.
Não mata animal?
Nunca matei bicho nenhum na minha vida.
Nem um frango?
Nada.
Uai, nem aos domingos?
Lá em casa quem matava frango era minha mãe.
Sério?
É, não gosto disso.
Por que?
Acho que tenho pena.
Pena?
Por que? Você acha que a gente não pode sentir pena também?
Pode, claro.
Morria de dó das galinhas degoladas.
Você não teve pena das pessoas que despachou?
Não, ali era trabalho.
E qual é a diferença?
Sou profissional, entende?
Entendo.

Tuesday, July 11, 2006

Fragmento do poema 2001 - Uma odisséia para Vânia

(...) no espaço exterior
as nossas línguas
bocam-se.
no espaço interior
as nossas bocas
linguam-se (...)

Geraldo Magela / 1983

Monday, July 10, 2006

Home page mortal

Geraldo Magela

O escritório do FBI no Brasil mandou, via internet, um recado curto e grosso. Eu recebi a mensagem na redação do jornal: “havia um serial killer ( ou algo assim ) solto nas ruas da cidade ...” Só pode ser trote, disse eu, distraidamente, no Bar do Billy, tarde da noite. Mas alguém me retrucou.
“É a mais pura verdade!”
O cara era baixinho. Esquisitão.
“Se o FBI falou, pode escrever que é batata. Existe mesmo um desses pirados soltos por aí.” Ele disse com tom de sabedoria policial
Billy Paul, dono do bar, um negro esnobe, debochou:
“Ôrra, meu, isto é pura fantasia. Por aqui só tem pé de chinelo. Este papo de psicopata-psicótico-maníaco-depressivo é coisa dos States, lá só tem maluco, do tipo nascidos para matar.” E deu uma gargalhada fodida na cara do baixinho.
“Tá me chamando de mentiroso, ‘broder’?”
Billy Paul... Não teve nem tempo de responder. Uma explosão, seguida de um urro. Segundos depois, o negão perfumado estava lá estendido, aos meus pés. Um rombo feio no peito. Sangue jorrando. O meu corpo tremia. O baixinho esquisito, “coisa dos States”, segurava uma baita espingarda de cano cerrado, fumegante:
“O FBI falou, tá falado, meu irmão!” Gritava, espumando, o psicótico-maníaco-depressivo, enquanto me olhava nos olhos. Só deu pra gaguejar aquele velho clichê:
“Eu, eu, eu acredito em você! “
Ele sorriu satisfeito e desapareceu noite adentro. E eu jurei que nunca mais entraria na home page do escritório do FBI no Brasil.

Jornalista poeta

Recebo, surpreso, poemas de autoria do amigo e jornalista Thiago Moreira, editor do blog Piolho de Cobra, que sempre confessou não sacar nada de poesia e que parecia não ter saco para tal exercício. Vai um dos textos que ele fez para a sua amada:

LUA

Depois de tanto caminhar
no escuro
sem saber o que procurava surge então desconhecida
indecifrável, pequena mulher
Sabe-se lá o motivo
será inconsciência, providência?
A dúvida é intensa e permanente
Mas o prazer é compensador
É como uma chama que acende do nada
e aumenta a cada brasa que se queima.
Ora, infringiu meus ideais
e compartilha de meu presente e futuro
destrói o passado.
Compensador.

By Thiago Moreira/2006

Wednesday, July 05, 2006

Limite

a literatura não basta. a literatura não é tudo. o seu púbis, por exemplo, é xilogravura.

Tuesday, July 04, 2006

Bissexto

Você é um escritor improdutivo, faz tempo que não escreve uma linha, eu falei.
Bobagem, ele disse. As minhas criações estão aqui, na memória. Na hora certa eu escrevo o que for interessante.
Como é que alguém pode carregar tanta coisa na cabeça e elas permanecerem intactas, sem nenhuma intervenção ou adulteração, eu lhe indaguei.
Ele riu. Ah, de vez em quando uma mulher bonita ou algumas contas para pagar atravessam uma ou outra narrativa, mas tudo bem, sempre dá para garantir o conteúdo.
E ficou lá, batucando o teclado do computador desligado.