Brutalidade Jardim

Blog de literatura, prosas urbanas, poéticas visuais e literatices

Name:
Location: João Monlevade / Brasília, Minas / Distrito Federal, Brazil

Nascido em João Monlevade, no Vale do Aço, Minas Gerais / Brasil. É jornalista. Reside em Brasília/DF desde 2007. Poeta independente abandonou a literatura impressa para mergulhar no abismo virtual. Tem trabalhos literários premiados no Brasil e muitos outros publicados em vários países, especialmente de arte postal. Seguir o meu twitter @ geraldomagela59 Born in João Monlevade, in the Steel Valley, Minas Gerais / Brazil. He is a journalist, living in Brasília / DF since 2007. Independent poet abandoned printed literature to immerse himself in the virtual abyss. It has literary works in Brazil and many others published in several countries, especially in publications of postall art.

Wednesday, March 07, 2007

1963.

Aos setenta e três anos, o anão sinistro parecia ter somente trinta, o que ajudava bastante durante as suas fugas após os delitos que praticava para sobreviver. Durante os quase trinta anos em que esteve desaparecido, Absalão não matara ninguém, apenas roubou residências e estabelecimentos comerciais em busca de comida enlatada e dinheiro. Furtos comuns e até ingênuos. O seu punhal de cabo de ouro permanecia guardado em lugar seguro, à espera de um novo “sinal”.
De vez em quando, em transe, ele acariciava a arma sagrada como se estivesse esperando a hora certa para poder usá-la e retornar ao seu antigo “ofício”. Um chamado sobrenatural, talvez. Após aquela terrível visão, onde ele se viu morto pelo punhal de um “anão de olhos cruéis”, Absalão resolveu dar um basta temporário aos assassinatos, penetrando clandestinamente em um navio rumo à “Àfrica”. Conheceu densas florestas e desertos infinitos. Entediado, resolveu visitar o “Brasil”. Estes foram os dois únicos nomes que ele conseguiu memorizar durante quase trinta anos de viagem pelo “mundo”.
Em dezembro de 1963 ele tomou a decisão de retornar à “América”, onde no passado ele conquistara uma abstrata notoriedade no submundo do crime. Morrer como um cucaracha não era um destino muito honroso, pensava.


1964.

Durante um sonho, um anjo, talvez Gabriel, ele não poderia saber porque nunca dera bola para nenhum tipo de anjo ou santo, lhe apareceu oferecendo uma espada enorme e sangrenta. Os olhos do anjo brilhavam de forma estranha.
O ouro do punhal de Absalão brilhava. A lâmina longa e afiada também. Era o tão esperado “sinal”... O anão pulou da cama improvisada num porão.
“Nova Yorque” o aguardava, inocentemente.


1965.

Um porto-riquenho apareceu morto numa manhã de neve num dos milhares becos escuros da cidade;
Dois meses depois, outro cadáver, desta vez uma prostituta negra;
No outro mês foi a vez de um comerciante de bebidas. Depois uma dançarina. Uma professora quarentona. Um velho que fazia cooper no “Central Park...” E por aí afora, dezenas de vítimas.
Em todos, a marca inconfundível: o pequeno orifício sangrento.
Direto no coração, conforme alardeavam os jornais.


Nota do Autor

Para Absalão, tal “detalhe” parecia ter pouca ou nenhuma importância. Era apenas o resultado natural de um golpe bem dado. O que realmente parecia importar era o “tamanho normal” das vítimas.

Dezenas de mortes em menos de um ano. Diversos cadáveres de todas as cores étnicas, sociais e econômicas. Pânico total na população. Perplexidade entre os policiais.
“Há um novo ‘serial killer’ solto e impune”, denunciavam os jornais que desmoralizavam a polícia e as autoridades políticas.
Mas eis que um tira aposentado de “Chicago” resolve enviar à polícia de “N.Y” um arquivo pessoal, contendo diversos recortes de jornal dos anos trinta, além de fotografias amareladas e até laudos periciais de assassinatos semelhantes registrados na época.
O atento ex-investigador mencionava ainda em uma de suas cartas o nome de W.W.Phillips, um “inglês” que naqueles tempos empreendera uma longa jornada em busca da identidade do “assassino do punhal’, tendo conseguido informações precisas sobre o mesmo, mas que nunca foram divulgadas e que, a esta altura, já haviam sido incineradas...
Estes documentos serviram para intrigar ainda mais os investigadores e a polícia técnica. Pela terrível semelhança entre os crimes ocorridos naqueles meses e os de trinta anos atrás, a possibilidade de o assassino vir a ser o mesmo era realmente considerável.
O pior é que eles, assim como os policiais de três décadas atrás, sequer imaginavam que o tal assassino era um “anão”. Eles já haviam pensado em todos os tipos de maníacos e suspeitos cadastrados nas delegacias e não conseguido chegar a um denominador comum.
O único meio de se conseguir alguma informação mais precisa seria localizar os descendentes de W.W.Phillips em “Londres, lembrou um detetive baixinho, estudante aplicado dos fundamentos da investigação policial.
Coincidentemente, na capital “inglesa”, W.W.Phillips III, neto do famoso policial, um leitor voraz de contos e romances de mistério, resolveu remexer nas relíquias do seu avô e acabou descobrindo o indefectível caderninho de capa preto. Na primeira página, um título curioso: “REGISTROS PRECÁRIOS A RESPEITO DO MISTERIOSO” ASSASSINO DO PUNHAL ““.
Num instinto, W.W.Phillips III se lembrou das últimas manchetes e notícias nas páginas dos jornais americanos da Biblioteca Pública que falavam dos assassinatos misteriosos que vinham ocorrendo em “Nova Yorque”.
Imediatamente, o devorador incansável de literatura bizarra folheou o caderno até o final do emaranhado de anotações. Entre notas, descrições e desenhos, ele deparou com uma espécie de rascunho cronológico do suposto “assassino do punhal”. ( Tais registros serviriam para dar uma localização mais exata das origens e peripécias criminosas de Absalão e das próprias andanças de W.W.Phillips que não gostava muito de entrar em detalhes sobre os rumos da sua investigação )

Thursday, March 01, 2007

1922.


Um detetive, supostamente “londrino”, quem sabe um discípulo do lendário Sherlock Holmes, toma a decisão de investigar os crimes cometidos por Absalão a partir de pesquisas exaustivas em precários registros policiais até chegar aos arquivos de 1920 da polícia “americana”.
Uma tarefa árdua, já que os crimes aconteceram e continuavam a ocorrer nos lugares mais diversificados do país.
A cada pista, notícia ou mesmo boatos a respeito dos crimes, o detetive empreendia longas e sigilosas viagens.


1923.

Absalão mata um influente político de uma das grandes cidades do norte. O político, idoso e tetraplégico há mais de cinco anos, devido a um acidente doméstico, foi morto na própria cadeira de rodas. No peito, o orifício sangrento...
O assassino entrou e saiu da mansão sem ser notado, como sempre. Misteriosamente. Ou microscopicamente.
Desta vez, devido ao estado físico da vítima, Absalão dispensou o seu poder de provocar compaixão. Naturalmente, ele nem cobrou pelo serviço.
Fez de graça, só pelo prazer da novidade.


1925.

O detetive, supostamente “londrino”, descobre em antigos registros (rabiscos, seria mais técnico) um assassinato idêntico realizado em 1909 num “porto”. O uso de um longo punhal...
O investigador perspicaz já não tinha mais dúvidas: estava chegando às origens do criminoso, ou pelo menos aos seus primeiros crimes.
Apesar das suas fantásticas descobertas, o velho policial não costumava comentar os seus feitos com ninguém. Ele era o que poderia se denominar como uma pessoa culturalmente reservada. Acreditava plenamente no segredo guardado a sete chaves. Certos detalhes de uma investigação ele nem sequer anotava, temendo que os mesmos pudessem parar em mãos erradas.
Mas como a sorte andava de bem com o mortífero anão, o obstinado detetive só conseguiria chegar aos arquivos (manuscritos quase ilegíveis) de 1902 somente dali a uns dez anos.


1930.

Absalão vai para “Chicago”. Talvez a única cidade cujo nome ele conseguiu memorizar. Lá ele realiza dezenas de assassinatos, que são, obviamente, ligados à guerra dos gangsteres.
A arma: um punhal com cabo de ouro maciço. O seu documento de identidade se tornara um objeto nobre. Ele agora fazia parte da elite secreta do crime.


1935.

Continuando a sua longa viagem em busca do maníaco, o obsessivo investigador descobre finalmente os manuscritos policiais de 1902, onde é narrado pelo próprio executor - um menino de aproximadamente nove anos de idade - o assassinato de um velho, morto com uma punhalada certeira no coração.
O policial, já idoso, porém lúcido e em ótima forma física, chega finalmente ao reformatório onde Absalão passara cinco anos.
Enquanto isso, distante dali, Absalão nem sequer desconfiava de que alguém estava bisbilhotando a sua “origem”. Origem esta que o próprio Absalão desconhecia.


1936.

W.W. Phillips - era este o nome do obstinado policial comprovadamente “inglês” - finalmente chega ao orfanato onde Absalão havia sido entregue no final de 1891 pelas autoridades judiciárias.
W.W. Phillips anota tudo em seu caderninho de capa preta, anotações que contribuirão muito na montagem da história oficial de Absalão, O Judeu Anão.
Nos registros do orfanato ele descobriu a verdadeira origem do menino: “Casa dos Prazeres Madame Bovary”. Ele deve ter sorrido da maneira mais “inglesa” possível ao deparar com tal nome.
Imediatamente, o detetive farejador se deslocou até o mencionado bordel, tão infecto quanto o orfanato, diga-se de passagem. Lá ele descobriu apenas que a mãe do menino era uma meretriz judia morta após o parto. O nome da criança, dado pela dona do prostíbulo, coincidia com os nomes recolhidos no reformatório e no orfanato: Absalão...só.
Ele não possuia sobrenome... “Estranho”.
O velho policial, satisfeito com os resultados da sua investigação, resolve então retornar à “América”, levando o seu relatório para o chefe de polícia de “Chicago”. Pelos telegramas que recebera nos últimos meses, aquela cidade era a nova moradia do “assassino do punhal”.
(Apenas um dado anotado em seu caderninho de capa preta estava deixando o experiente policial intrigado. Alguém, no reformatório, havia afirmado com muita segurança que o delinqüente fugitivo era um “ANÃO”).


1937.

Absalão contava agora com quarenta e seis anos de idade, mas parecia ter menos da metade disto. A morte de outras pessoas pelas suas pequeninas e deformadas mãos parecia dotar-lhe de uma propriedade, milagrosa, de rejuvenescimento.
No início deste ano, Absalão teve um mau pressentimento acompanhado de um pesadelo no qual ele se achava acorrentado numa cela. No seu peito, um orifício. Um filete de sangue. À sua frente, um anão negro de olhinhos orientais o observava com crueldade. Um sorriso fino. No pesadelo, Absalão possuia o tamanho de uma “pessoa normal”.
Acordou no meio da noite, sobressaltado. Arrumou as suas pequenas coisas e colocou tudo numa valise. Inclusive o punhal de cabo de ouro. Depois disto, sumiu de “Chicago” como num passe de mágica. Misteriosamente, como sempre.
O seu desaparecimento coincidiu justamente com a chegada de W.W.Phillips à cidade, trazendo um relatório cheio de novidades para as autoridades policiais. Por medida de segurança, o documento foi mantido em sigilo total. Apenas o chefe de polícia, o prefeito e o promotor público tomaram conhecimento do seu conteúdo.
Cautelosamente, foram expedidos mandados de prisão a um anão de nome Absalão, judeu, branco, etc, etc, etc... Buscas infrutíferas. Ninguém jamais conseguiu localizar tal suspeito.
Porém, o mistério permanecia e os crimes continuavam sem solução. Absalão também continuava desaparecido e nenhum outro crime da mesma natureza foi registrado até a década de sessenta.