Brutalidade Jardim

Blog de literatura, prosas urbanas, poéticas visuais e literatices

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Location: João Monlevade / Brasília, Minas / Distrito Federal, Brazil

Nascido em João Monlevade, no Vale do Aço, Minas Gerais / Brasil. É jornalista. Reside em Brasília/DF desde 2007. Poeta independente abandonou a literatura impressa para mergulhar no abismo virtual. Tem trabalhos literários premiados no Brasil e muitos outros publicados em vários países, especialmente de arte postal. Seguir o meu twitter @ geraldomagela59 Born in João Monlevade, in the Steel Valley, Minas Gerais / Brazil. He is a journalist, living in Brasília / DF since 2007. Independent poet abandoned printed literature to immerse himself in the virtual abyss. It has literary works in Brazil and many others published in several countries, especially in publications of postall art.

Tuesday, January 30, 2007

1902.

Neste ano, exatamente, ocorreu a primeira e única prisão de Absalão, O Judeu Minúsculo:
Sem nenhum documento.Um punhal afiado. Nem mesmo a própria idade ele sabia. Disse apenas que na passagem do século havia cometido um homicídio. Confessou o crime com uma naturalidade de dar nojo.
Foi imediatamente conduzido a um reformatório de menores, onde ficaria detido até ser julgado pela lei. Perdeu o punhal. A sua única referência histórica havia ficado com a polícia.
Uma lágrima infantil por isso. Nada mais.


1907.

Absalão, O Judeu Anão, apelido mais respeitoso que havia recebido no reformatório, foge numa noite de calor. Leva consigo suprimentos e demais objetos necessários à sua escapada. Entre os objetos, um estilete.
Absalão resgata a sua minúscula identidade através desta nova lâmina. Volta a sentir aquela estranha sensação de antes.
Agora, só faltava mesmo uma vítima.


1909.

Nos dois anos anteriores, Absalão cruzou as fronteiras da sua terra natal (desconhecida) e penetrou em outro mundo, também totalmente desconhecido. Se não sabia ler e nem mesmo escrever o seu próprio nome, como ele poderia decifrar mapas?
A única coisa que tinha conhecimento, através dos diálogos curtos no reformatório, era que naquele “país”vizinho ele encontraria o mar.
A polícia desistiu de tentar recaptura-lo. As autoridades não estavam dispostas a gastar dinheiro público na captura de um anão assassino.
Antes de encontrar o mar, Absalão sobreviveu às custas de um salário minguado, graças à sua degeneração física. Trabalhou como ajudante dos palhaços num circo bizarro que explorava as aberrações físicas do seu elenco.

(Um orfanato. O reformatório. O submundo do crime. E agora um circo. Eram estas as únicas comprovações existenciais de Absalão. Para não falar do estilete. Objeto sagrado).
Quando encontrou o mar, Absalão deparou também com a sua segunda vítima. À noite, no cais. Como da primeira vez, aos seus pés estava um cadáver “enorme”. “Gigantesco”. Se tivesse lido o Antigo Testamento, na certa ele evocaria o espírito de Davi, o pequeno pastor que eliminou o gigante Golias com uma pedrada.
Novamente, o sangue escorrendo do pequeno orifício no peito do homem. O morto beirava a casa dos cinqüenta. Míope, usava óculos de grossas lentes. Lembrava também de longe o diretor do reformatório. Roubou as roupas e o dinheiro do defunto. Olhou demoradamente para o estilete sujo de sangue. Pensou em um punhal de cabo enfeitado e lâmina longa. Não hesitou. Jogou o estilete no mar, junto com os óculos da vítima. Abriu os lábios finos num sorriso rápido. O único sorriso em todos os seus minúsculos dezessete anos. ()

Monday, January 29, 2007

Os orifícios do ofício

1891.

Absalão nasce em um prostíbulo.
A sua mãe, uma meretriz judia, morre durante o trabalho de parto. O pai, obviamente, ninguém sabia quem era. O nome Absalão é dado pela dona do bordel, uma cristã sob suspeita. Nome que lhe veio de estalo no momento em que a mulher soltou o último suspiro e a criança ainda chorava. Uma homenagem judaíca, talvez.
Poucas semanas depois o bebê foi entregue às autoridades e conduzido a um orfanato não menos infecto que o bordel onde o infeliz nascera.


1896.

Com apenas cinco anos de idade e portador de uma degeneração física em retardava o seu crescimento, Absalão, O Minúsculo, apelido dado pelos órfãos mais velhos, foge do orfanato numa noite fria, levando consigo apenas alguns objetos essenciais à sua sobrevivência. Roubados, naturalmente. Entre os objetos, aquele que lhe provocava uma sensação de prazer inexplicável: um punhal. Dos muitos usados pela cozinheira do orfanato para matar porcos.
Absalão acariciava o punhal como uma criança acaricia o seu único brinquedo.


1899.

Passagem do século. Foguetório e festejos ao longe.
Absalão, O Judeu Minúsculo, apelido até certo ponto pejorativo que ganhara dos mendigos e marginais que habitavam o seu mundo sórdido, ainda continuava perdido no tempo. Não sabia onde nascera, nem como fora parar no orfanato odiado e muito menos como se tornara um criminoso. Alguém havia lhe dito que era um “judeu”, mas isto não lhe dizia nada.
A única coisa que ele sabia realmente era o óbvio:
O século estava por um fio. À sua frente, ou melhor, aos seus pés, estava um cadáver. A primeira vítima da lâmina afiada do seu punhal. Um velho, cujo semblante lembrava de longe o diretor do orfanato. Um velho “enorme”.
E ele, ali, minúsculo, com ódio nos olhos, observando o sangue que escorria do orifício.
Bem no coração, murmurava quase num grunhido, enquanto sentia uma inexplicável sensação de prazer.

Novelinha

Nos anos 90 escrevi uma novelinha chamada "Os orifícios do ofício" que narrava as aventuras de um anão ("invisível") assassino. Absalão é o seu nome ou codinome, nem eu sei. A partir de agora vou publicar aqui, devidamente fragamentada, seguindo a cronologia da narrativa, essa novelinha meio realismo fantástico, meio insólita. Aguardem a postagem.

Thursday, January 25, 2007

Poema do Leminski

Lugar onde se faz
o que já foi feito,
o branco da página,
soma de todos os textos,
foi-se o tempo
quando, escrevendo,
era preciso
uma folha isenta

Nenhuma página
jamais foi limpa.
Mesmo a mais Saara,
ártica, significa.
Nunca houve isso,
uma página em branco.
No fundo, todas gritam,
pálidas de tanto.


(Paulo Leminski)

Wednesday, January 17, 2007

Poeminha drumondário

não tive
filhos
não tive
gado

algumas
vaquinhas
vêm pastar
a grama
em frente
à minha casa

lembro-me
de Drumond
sólido urbano
gauche na vida
sentado
à beira-mar
de Copacabana.

Wednesday, January 10, 2007

Clássicos

volto à estante
para reler
pela primeira
vez
a comédia
divina
de Dante.

Monday, January 08, 2007

Vida mansa

“Na literatura, o crime compensa!”.

Assim escreveu em suas memórias o dublê de ficcionista, Birdes Fontaine. Vejamos:
Because Forever, traficante de textos, contraventor desinibido, jamais chegou a ser preso. Morreu de velhice, lendo Jorge Luiz Borges, em uma estância confortável nos pampas gaúchos, comprada com o dinheiro ganho em suas atividades ilegais.
Tom Cat, personagem/bandido, assassino de aluguel, partiu desta para uma melhor, quando participava de um carteado na Taverna do Corvo Poe, vítima de um ataque cardíaco fulminante. Morreu gargalhando depois de saborear a última anedota contada por Beraldo Bezerra.
Baltimore Batista, escritor pirata, um dos mais terríveis gatunos que a literatura universal já conheceu, teve morte tranqüila à beira do mar do Caribe, durante viagem turística paga com o dinheiro obtido no XXXIII Concurso de Contos do Amapá. Ele ganhou o primeiro lugar do concurso utilizando como se fosse seu um miniconto inédito do saudoso Antônio Scliar.

Friday, January 05, 2007

Obra sem fim

Mestre Machado Callado morreu aos noventa anos, deixando uma obra imensa, entre crônicas, ensaios e, principalmente, romances regionalistas, volumosos e detalhistas ao extremo. Deixou também um livro inacabado. Ele costumava definir tal livro como “interminável”. Com o título provisório “Do Gênesis ao Apocalipse - Uma Aventura Lírica”, a obra poderia ser classificada como um romance histórico/biográfico.
Machado começou a escrevê-lo aos dez anos de idade, dando continuidade ao trabalho todos os dias da sua vida, sem a menor preocupação de publicá-lo. Às vezes escrevia dez linhas, dez palavras, uma página, tudo dependia do momento. Somando todas as anotações, na data da sua morte, o livro já contava com mais de vinte mil páginas, segundo cálculos dos parentes mais próximos.
Apesar dele mesmo se considerar um escritor medíocre, Machado morreu feliz, acreditando ter chegado à metade daquilo que ele acreditava ser um livro interminável. Ou insuportável, como queiram os aficionados pela síntese.
H.W.Silveira Filho, historiador e pesquisador de aberrações culturais, pela relação de amizade que mantinha com o mestre, teve acesso aos manuscritos e os considerou um “verdadeiro achado literário”, depois de ter lido apenas as quinhentas páginas da introdução.

Thursday, January 04, 2007

Vestígios

Até os dias de hoje Magrelo Mouse não acredita que a Pantera Negra tenha realmente matado o contista Antônio Scliar.
Para ele, a estória não passa de ficção barata fabricada pela mente viciada em crimes hediondos do romancista Mário Maltês que, diga-se de passagem, estava presente no local do crime.
Mouse jura que a Pantera Negra, na data do assassinato, participava de uma aventura nas selvas do Quênia, juntamente com o seu parceiro e amante Lorde Lerdo. Magrelo denuncia a “utilização da sua personagem como pivô de uma trama criada pelo debilóide Maltês”.
Segundo Mouse, o ex-contista Scliar foi vítima de um crime passional cometido por um dos muitos amantes de Botukú Buto, que teria utilizado uma espécie de garra de leopardo para destroçar o pescoço do escritor. Sobre o sumiço de Buto, ele alega que a poeta deve estar escondida em algum país africano temendo ser envolvida no assassinato.
A única coisa que Magrelo Mouse não sabe explicar é o intrigante sumiço da sua personagem bem no meio da tal aventura nas selvas do Quênia. A Pantera Negra só retorna à estória em quadrinhos citada por ele umas seis páginas adiante e com marcas de sangue nas suas imensas garras.