Brutalidade Jardim

Blog de literatura, prosas urbanas, poéticas visuais e literatices

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Location: João Monlevade / Brasília, Minas / Distrito Federal, Brazil

Nascido em João Monlevade, no Vale do Aço, Minas Gerais / Brasil. É jornalista. Reside em Brasília/DF desde 2007. Poeta independente abandonou a literatura impressa para mergulhar no abismo virtual. Tem trabalhos literários premiados no Brasil e muitos outros publicados em vários países, especialmente de arte postal. Seguir o meu twitter @ geraldomagela59 Born in João Monlevade, in the Steel Valley, Minas Gerais / Brazil. He is a journalist, living in Brasília / DF since 2007. Independent poet abandoned printed literature to immerse himself in the virtual abyss. It has literary works in Brazil and many others published in several countries, especially in publications of postall art.

Wednesday, February 07, 2007

1910.

Todos os dias, beneficiando-se do seu corpo pequenino, Absalão visitava o porto. Olhava o mar e os navios. Não sabia onde estava e nem para onde queria ir. Queria atravessar o oceano. O punhal de cabo enfeitado escondido. Era o seu cúmplice em mais três assassinatos frios. O relatório na parede da chefatura de polícia informava:

1) Uma prostituta barata, viciada em ópio;
2) Um marinheiro estrangeiro, embriagado;
3) Um velho efeminado.

Párias! A polícia dava pouca importância a tais crimes. O Estado não iria gastar dinheiro investigando assassinatos de uns merdas. Realmente, a autoridade não se importava muito com os crimes, a não ser pelo estilo ousado do matador que não parecia ligar para o fato de ter eliminado quatro pessoas da mesma forma.
Os pequenos orifícios sempre no mesmo local. E, logicamente, a preferência pelos punhais. “Um matador de porcos”, sugeriu na época um jornal popular.


1912.

O cerco estava fechando.
Deixando para trás um rastro de sangue, Absalão abandona finalmente aquele lugar desconhecido e embarca num navio rumo a outro lugar menos conhecido ainda. Comprou a passagem com o dinheiro roubado da sua última vítima, um ator decadente que vivia embriagado pelas madrugadas perigosas do submundo habitado por Absalão.
O punhal de cabo enfeitado ia escondido na pequena maleta de viagem. Uma lâmina longa manchada de sangue era o seu único documento de identidade.
Durante a viagem, numa noite de insônia, entre delírios e enjôos terríveis, Absalão teve uma visão: “Uma mulher que dizia ser sua mãe, segurando um grande punhal, caminhava na sua direção. Tinha ódio no olhar. De repente, num lance rápido, ela vira a lâmina contra o seu próprio peito”.
Absalão saiu do transe, sobressaltado.
Pegou o punhal de cabo enfeitado e o atirou no mar.
Apesar de agoniado por ter perdido novamente a sua única referência histórica, ele sentiu uma espécie de alívio.
No terceiro dia de viagem, uma tempestade colheu a frágil embarcação, provocando uma tragédia. O pequeno Absalão foi arrancado pelo vento e tragado pelas águas violentas do oceano.
Mas como a sorte parecia andar lado a lado com o maligno anão, ele conseguiu se agarrar a uma espécie de bóia, sendo levado à deriva. Depois de três dias perdido, completamente faminto e doente, Absalão chegou à praia de uma ilha, sendo socorrido por pescadores nativos que o alimentaram e curaram os seus ferimentos.
Um orfanato; o submundo; o reformatório e um circo bizarro. E agora uma ilha perdida no mar. Absalão tentava memorizar a sua história, deixando de lado os assassinatos. Para ele, aqueles crimes não significavam muito. Apenas eram necessários à sua sobrevivência. Era o mesmo que somar quantas refeições uma pessoa teria feito durante todos os seus anos de vida, pensava ele.
“Asneiras!”.


1914.

Durante quase dois anos na ilha, convivendo em paz com os nativos, Absalão deixou de lado a tara por punhais. Pelo menos, parecia não estar mais interessado em perfurar pessoas, até o dia em que um navio mercante chegou à ilha para comprar cocos. O capitão da nave, um gordo bonachão, que lembrava de longe uma das vítimas do anão, lhe ofereceu um lugar no navio que rumava para um país do qual ele jamais ouvira falar.
Absalão refletiu. Olhou a ilha. O mar. O horizonte pálido. Pensou um pouco mais e aceitou o convite. Na despedida, o líder da aldeia lhe deu de presente uma adaga de lâmina afiada, utilizada para limpar peixes, talvez. O anão abriu os lábios finos. Era o seu segundo sorriso em vinte e três anos de existência.
Ele sentiu também, pela terceira vez, aquela sensação deliciosa ao tocar novamente numa lâmina, embora não tão pontiaguda como as anteriores.
Era o novo “sinal”.

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