Os orifícios do ofício
Absalão nasce em um prostíbulo.
A sua mãe, uma meretriz judia, morre durante o trabalho de parto. O pai, obviamente, ninguém sabia quem era. O nome Absalão é dado pela dona do bordel, uma cristã sob suspeita. Nome que lhe veio de estalo no momento em que a mulher soltou o último suspiro e a criança ainda chorava. Uma homenagem judaíca, talvez.
Poucas semanas depois o bebê foi entregue às autoridades e conduzido a um orfanato não menos infecto que o bordel onde o infeliz nascera.
1896.
Com apenas cinco anos de idade e portador de uma degeneração física em retardava o seu crescimento, Absalão, O Minúsculo, apelido dado pelos órfãos mais velhos, foge do orfanato numa noite fria, levando consigo apenas alguns objetos essenciais à sua sobrevivência. Roubados, naturalmente. Entre os objetos, aquele que lhe provocava uma sensação de prazer inexplicável: um punhal. Dos muitos usados pela cozinheira do orfanato para matar porcos.
Absalão acariciava o punhal como uma criança acaricia o seu único brinquedo.
1899.
Passagem do século. Foguetório e festejos ao longe.
Absalão, O Judeu Minúsculo, apelido até certo ponto pejorativo que ganhara dos mendigos e marginais que habitavam o seu mundo sórdido, ainda continuava perdido no tempo. Não sabia onde nascera, nem como fora parar no orfanato odiado e muito menos como se tornara um criminoso. Alguém havia lhe dito que era um “judeu”, mas isto não lhe dizia nada.
A única coisa que ele sabia realmente era o óbvio:
O século estava por um fio. À sua frente, ou melhor, aos seus pés, estava um cadáver. A primeira vítima da lâmina afiada do seu punhal. Um velho, cujo semblante lembrava de longe o diretor do orfanato. Um velho “enorme”.
E ele, ali, minúsculo, com ódio nos olhos, observando o sangue que escorria do orifício.
Bem no coração, murmurava quase num grunhido, enquanto sentia uma inexplicável sensação de prazer.
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